Quando Hitler originou algo que nós adoramos.

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É comum, quando se estuda História, que diversos assuntos complexos recebam uma grossa camada de simplificação, a fim de facilitar o entendimento das linhas gerais por parte dos alunos.

A desvantagem dessa simplificação, é que diversos conflitos multifacetados ficam com cara de lutas maniqueistas, onde o “bem” ou o “mal” vence, e reagimos a decisões e processos históricos complexos como se víssemos imbecis tomando decisões idiotas, e exclamamos, “Meu Deus! Como esses abilolados podem ter feito tamanha estultice?!”

Por exemplo, muitos de nós aprendemos que, após tomar o poder em uma Alemanha arrasada pela crise de 29, o Nazismo recuperou a economia do país, transformando-o em um paradígma de eficiência e racionalidade. Apesar disso, o ódio dos alemães pelos judeus, levou o país ao holocausto, cujas atrocidades deixaram o povo americano horrorizado, a ponto de unir o país. A população, que até então via com reservas os gastos estatais, passou a aceitar os suntuosos gastos de guerra. Enquanto os Estados Unidos combatiam a Alemanha no front ocidental, a União Soviética segurava sozinha o front oriental, tendo sido os verdadeiros heróis na luta contra o Nazismo. Por sua vez, o Nazismo, era de direita, ou de esquerda (dependendo do blog político pelo qual o seu professor se informe),e Hitler foi um tremendo filho da puta sádico e sem perdão.

Na realidade, toda essa história bonita é bem mais complexa e cheia de nuances : A eficiência germânica foi uma farsa, muitos alemães discordaram das ideias nazistas de eugenia, nos EUA houve uma considerável oposição a enfrentar Hitler, a União Soviética teve pesada ajuda financeira dos EUA para encarar Hitler, e o Nazismo era bem mais complexo do que as definições de Esquerda e Direita.

Quanto à disposição da população para financiar a guerra, o buraco também era beeeem mais embaixo…

Apesar de guerras impulsionarem a economia, a triste verdade é que o esforço de guerra sai muito caro para todos os países envolvidos.

A forma de um país financiar uma guerra, é a mesma forma que um país financia tudo : através de impostos. Lá pelos idos de 1939, a alíquota marginal máxima de imposto de renda, para uma família com renda de US$ 5000,00, era de 8%. O esforço de guerra fez com que essa alíquota subisse para 22% em 1943.

Piora. Naquela época, os americanos recebiam o salário isento de impostos, que só eram recolhidos anualmente.

Se você conhece os hábitos financeiros do brasileiro, sabe o quanto nos preparamos para os compromissos financeiros que surgem.

Pois bem, meu amigo, saiba que os Estados Unidos são o Brasil que deu certo, e que, de acordo com o Gallup, em 1942, 85% dos americanos não tinha dinheiro sobrando para saldar a dívida com o imposto de renda (provavelmente muitos desses 85% não tinham nem faltando).

A coisa ficou tão periclitante, que as ruas das cidades foram cobertas com esses panfletos :

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Você é um dos 50.000.000 americanos que devem preencher o informe de rendimentos até 15 de março. PREENCHA AGORA! Evite filas. Descubra o quanto você tem a pagar ou a receber…hoje.

Até mesmo o Pato Donald entrou na jogada, apelando às pessoas que pagassem suas contas.

Nada disso surtiu o efeito necessário. Dívidas com a Receita se multiplicaram e, de acordo com o historiador James Sparrow, caso a lei fosse seguida ao pé da letra, 5 milhões de pessoas teriam que ser presas em 1943 por sonegação de impostos.

A solução veio através de Beardsley Ruml, o tesoureiro da Macy’s e membro do conselho do Federal Reserve Bank de Nova York, a proposta dele foi tão genial, que é utilizada até hoje.

A proposta de Ruml foi a realização do pagamento através de planos de parcelamento, que posteriormente se transformaram no sistema de recolhimento de imposto na fonte.

Por envolver grandezas quantificáveis, muitos de nós estamos acostumados a pensar no dinheiro em termos matemáticos, quando na verdade, o fator psicológico tem uma influência muito maior. A propensão do contribuinte a pagar impostos na fonte era muito maior, do que no recolhimento anual, o que favorecia a arrecadação do governo para o esforço de guerra.

O trabalhador não sentiu muito a diferença, pois o aumento da demanda, e a inflação dos anos de guerra pressionaram os salários para cima, e o pagamento líquido (ou seja, o que o trabalhador efetivamente levava para casa) mantinha-se inalterado, ou até aumentava em relação ao período do recolhimento anual.

Essa forma de recolhimento de imposto gerou outro fenômeno interessante. Ao invés de uma cobrança anual de imposto, passou a haver o Annual Tax Return, ou, como se conhece aqui no Brasil, a Restituição do Imposto de Renda. Em que o governo, ao invés de cobrar, lhe dá dinheiro (tecnicamente, apenas devolve o que você pagou a mais, mas o fator psicológico é o que conta) e você fica muito feliz com isso.

Enganação do governo?! Manipulação dos poderosos?! Imposto é roubo?!

Eu não me importo muito com isso, acho que consequências são mais importantes, e, no caso descrito, a consequência foi derrotar Hitler.

Afinal, essa parte seu professor de História ensinou corretamente, Hitler realmente era um tremendo filho da puta sádico e sem perdão.

Fonte :

Drip, Drip, Drip – Collaborative Fund

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